No CERN(e) da questão: da FCUP à Suíça para estudar novos materiais

Trabalho de investigadores do IFIMUP


Há mais de 20 anos que investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) viajam até ao CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), em Genebra, na Suíça, para realizar experiências científicas, naquele que é o maior laboratório de física de partículas do mundo.

No último ano, Armandina Lopes, investigadora no Instituto de Física dos Materiais Avançados, Nanotecnologia e Fotónica da U.Porto (IFIMUP), sediado na FCUP, liderou um grupo de investigação que por duas vezes foi ao CERN. No último ano, a equipa da FCUP esteve no CERN em maio e em novembro e já estão a preparar o trabalho para 2023. O objetivo? Estudar novos materiais.

Com dois projetos a decorrer, os investigadores do IFIMUP estão a trabalhar com materiais com expansão térmica negativa (que contraem com o aumento da temperatura) e com materiais multiferróicos (multifunções e que permitem uma redução de custos). Os primeiros podem ser aplicados, no futuro, por exemplo, a próteses dentárias, tecnologia ou indústria aeronáutica. Basicamente a objetos em que se pretenda evitar uma dilatação de volume. Já os segundos podem ser utilizados para diminuir o consumo de eletricidade na gravação e leitura de dados, ao inverter o momento magnético de uma região de um material através da aplicação de um campo elétrico.

“Fazemos uma proposta e, se for aceite, é-nos dado um determinado tempo de feixe como uma ou duas semanas para podermos fazer as nossas experiências”, conta Armandina Lopes. Trata-se de uma espécie de banco de horas em que os cientistas podem aceder, neste caso, ao ISOLDE, uma infraestrutura que produz isótopos radioativos que vão ser fundamentais, por exemplo, para o estudo das propriedades locais dos materiais.

A viagem dos materiais

“Trabalhamos na área da física fundamental. Tentamos entender o que está por detrás das propriedades dos materiais”, explica. E, para este trabalho, estas viagens são muito importantes. Afinal, é um dos poucos locais do mundo onde é possível escolher um determinado isótopo de um elemento da tabela periódica.

Na FCUP preparam as amostras de material a estudar ou levam materiais cedidos por outros investigadores a colaborar com a equipa. Vão na bagagem até ao ISOLDE onde são implantados isótopos radioativos de vida curta, que podem durar de alguns minutos a algumas horas.

“Estudamos uma amostra de material de cada vez e cada temperatura que medimos é com uma nova implantação de isótopos. Fazemos uma implantação, tiramos a amostra, fazemos um tratamento térmico, medimos, gravamos os dados e voltamos ao mesmo processo com outro isótopo ou material.” São os isótopos que vão permitir aos investigadores perceber como se comporta, por exemplo, um dado material a uma determinada temperatura e validar as simulações anteriormente feitas na FCUP.

Para Pedro Rodrigues, investigador do IFIMUP, recém-doutorado em Física pela FCUP, que já conta com várias viagens no currículo, as idas ao CERN são “fundamentais”. “No ISOLDE temos acesso a equipamento capaz de medir e de descodificar a informação derivada do decaimento destes isótopos”, explica.

“Não podemos falhar”

E é para manusear estes equipamentos – mais concretamente quatro Espectrómetros de Correlação Angular Perturbada- que os cientistas fazem, quase como os enfermeiros, na semana em que estão no CERN, turnos para assegurar que todo o trabalho consegue ser realizado no tempo que lhes é dado. “Há um trabalho contínuo de 24 horas, divididas em dois turnos de 12”, conta Armandina.

Nos dois projetos a decorrer estão envolvidos estudantes de licenciatura, de mestrado e de doutoramento da FCUP. “Para as dissertações de mestrado só temos, muitas vezes, aquela oportunidade e não podemos falhar”. De regresso à faculdade, a equipa também constituída pelos estudantes António Cesário, Pedro Sousa e André Miranda e pelos investigadores Neenu Lekshmi e Gonçalo Oliveira, trouxe nas malas uma espécie de disco rígido com as medições obtidas e é iniciada a análise e interpretação dos dados.

Para além dos benefícios da utilização de isótopos de vida curta, trabalhar neste laboratório traz outras vantagens. “Temos a oportunidade de interagir com investigadores altamente qualificados, oriundos de vários grupos de investigação e altamente motivados neste género de pesquisa científica”, salienta Pedro Rodrigues.

Os cientistas da FCUP lançam assim as bases para que, anos mais tarde, se possa chegar à produção concreta de materiais em muitas aplicações tecnológicas que usamos no dia a dia. Desta ciência fundamental beneficiam células fotovoltaicas, dispositivos médicos, componentes de computadores, entre outros. Mas antes de incorporar estes objetos, ainda há muitos quilómetros a percorrer na viagem dos novos materiais.

SICC. 10.01.2023