Distribuição, selecção de habitat e actividade do gato-bravo (Felis silvestris) no Parque natural do Vale do Guadiana
Pedro Seabra MonterrosoO gato-bravo (Felis silvestris Schreber, 1777) apresenta uma distribuição Paleártica bastante extensa sendo, actualmente, a única espécie de felino selvagem com presença confirmada em território nacional. A sua situação a nível europeu é preocupante, estando as populações ameaçadas essencialmente devido à degradação do habitat, à perseguição directa e à hibridação com o gato doméstico. Pouco se conhece sobre a biologia desta espécie na Europa e esta lacuna de conhecimento é sobretudo evidente no caso das populações Ibéricas do felino. Neste contexto, definiram-se como objectivos gerais deste estudo a identificação dos factores relevantes para a conservação do gato-bravo, bem como determinar qual a sua actividade diária e selecção do habitat num ecossistema mediterrâneo.
O trabalho foi realizado no Parque Natural do Vale do Guadiana (PNVG), uma área protegida situada no Baixo Alentejo, que possui uma riqueza florística e faunística considerável. Esta área protegida tem especial interesse para a conservação do gato-bravo uma vez que é observável um elevado grau de fragmentação dos habitats ao nível da paisagem e que se faz sentir uma crescente influência antropogénica. nomeadamente devido à agricultura e actividade cinegética.
Para determinar quais os factores que condicionam a presença e abundância de gato-bravo na região e os respectivos padrões espaciais e temporais de utilização do habitat recorreu-se a três metodologias distintas: armadilhagem fotográfica, prospecção de indícios e seguimento por telemetria.
Os resultados obtidos demonstram que o gato-bravo ocorre de forma localizada no PNVG restringindo-se à região Centro e Centro-Oeste da área protegida. Os valores de abundância relativa obtidos através de armadilhagem fotográfica variaram entre zero e 3.56 detecções / 100 dias de captura. Através de técnicas e modelação ecológica verificou-se que a abundância de gato-bravo no Parque Natural está correlacionada com a presença de coelho-bravo (Oryctolugus cunicuulus), principal espécie-presa em ecossistemas mediterrâneos, com a densidade de orlas de matos e matagais e com a ausência de factores de perturbação antrópicos.
Os resultados obtidos através do seguimento por telemetria revelaram que o gato-bravo pode estar activo durante todo o ciclo diário. No entanto, os períodos de maior actividade são essencialmente os crepúsculos de anoitecer e amanhecer e a noite. O período de dia é, geralmente, aquele em que os animais repousam mais frequentemente. Ao nível das dimensões dos domínios vitais verificou-se que os machos ocupam, em média, cerca de 16 km2 e as fêmeas quase 3 km2.. Os habitats seleccionados pelo gato-bravo são essencialmente os matos e matagais como áreas de refúgio, explorando outros habitats durante os períodos de maior actividade.
Neste contexto, considera-se relevante e de elevada importância para a preservação da espécie no sul do Portugal a conservação de manchas de vegetação natural, com substrato arbustivo desenvolvido bem como a manutenção de um mosaico ao nível da paisagem. Por outro lado, e em termos temporais, deverá ser investigado o impacte quantitativo da existência de perturbações sobre o sucesso reprodutivo.