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Caracterização genética do javali na Península Ibérica e das raças suínas Portuguesas, Bísara e Alentejana. Variabilidade genética ao nível do DNA mitocondrial e dos genes da cor da pelagem MC1R e KIT.

Íris Pinheiro

O javali (Sus scrofa) é uma espécie com uma alargada área de distribuição por toda a Eurásia e possui, na Europa, um papel importante não só do ponto de vista económico, uma vez que se trata de uma espécie cinegética, como também do ponto de vista ecológico. Desta forma, está sujeita a determinadas práticas mediadas pelo homem, como reintroduções e translocações, que põem em causa a integridade genética das suas populações naturais. O cruzamento com porcos domésticos, frequentemente realizado de forma deliberada pelos criadores, constitui também uma ameaça ao património genético selvagem, bem como uma adulteração das características genéticas das próprias raças domésticas. As consequências destas práticas, aliadas à dificuldade na classificação taxonómica desta espécie, levantam uma série de problemas. Por um lado, é importante identificar quais as populações selvagens que devem ser conservadas e, por outro, a preservação das raças autóctones deve constituir uma prioridade. Na Península Ibérica são raros os trabalhos acerca da diversidade genética do javali, designadamente em Portugal, onde também escasseiam os estudos sobre a variabilidade genética das suas raças suínas locais, Bísara e Alentejana.

Assim, o presente trabalho teve como principais objectivos: a) analisar a variabilidade genética do javali Ibérico e das raças suínas portuguesas ao nível da região de controlo do DNA mitocondrial, b) determinar, com base no mesmo marcador, a sua relação filogenética com suínos selvagens e domésticos da Europa Central e da Ásia, c) avaliar a diversidade genética ao nível dos genes da cor da pelagem MC1R e KIT, d) perceber se há evidências de hibridação entre as formas selvagens e domésticas.

A análise da região de controlo do DNA mitocondrial permitiu confirmar a existência dos três grandes grupos de javalis na Eurásia e ainda, comprovar que os javalis Ibéricos estão filogeneticamente relacionados com os javalis da Europa Central, não havendo portanto, qualquer evidência de que a Península Ibérica tenha servido de refúgio para estes animais durante as glaciações do Quaternário. A proximidade filogenética observada entre as raças domésticas portuguesas e Europeias é concordante com uma origem materna comum, sendo estas raças provavelmente provenientes de um único evento de domesticação. Os níveis de diversidade haplotípica encontrados nas populações selvagens e nas raças domésticas são elevados, existindo também uma diferença genética significativa entre populações e entre raças. No presente estudo não se detectou qualquer evidência de introgressão de DNA mitocondrial Asiático.

A diversidade encontrada nas raças domésticas ao nível do gene MC1R foi relativamente elevada, o que está de acordo com os inúmeros cruzamentos que foram efectuados entres as raças portuguesas e importadas. Este facto é mais evidente na raça Bísara pois, a par desta variabilidade genética está também uma imensa variedade fenotípica no que respeita à pigmentação. Os animais desta raça podem ser inteiramente brancos, malhados, ou apresentar pelagem preta com uma cinta branca que atravessa os ombros e os membros dianteiros, um fenótipo muito semelhante ao da raça Hampshire. Apesar desta semelhança, o porco Bísaro não partilha com esta raça o alelo do gene KIT responsável por este fenótipo, levantando a hipótese de esta ser uma característica geneticamente heterogénea. Já o alelo Dominant White, deste mesmo gene, foi encontrado na raça Bísara com uma frequência de 0,12, um facto concordante com a observação de animais inteiramente brancos. Encontraram-se nesta raça evidências de introgressão de DNA nuclear de origem asiática.

Na raça Alentejana, apesar de se terem identificado vários alelos ao nível do gene MC1R, a forte selecção a que tem sido sujeita, no sentido de conservar a sua coloração característica, não se traduz numa diversidade fenotípica. De uma forma geral, talvez devido ao facto de não ter sido submetida a cruzamentos tão intensos com raças importadas, o porco Alentejano apresenta níveis de variabilidade genética inferiores aos detectados no Bísaro.

As evidências da ocorrência de hibridação entre javalis e porcos domésticos foram escassas. Isto porque, por um lado, o cruzamento entre fêmeas selvagens e machos domésticos é improvável e, por outro, o número de indivíduos utilizado no estudo dos genes nucleares foi reduzido. Não se pode rejeitar contudo, a hipótese de os animais selvagens onde se identificaram os haplótipos mitocondriais partilhados com as raças domésticas se tratarem de porcos ferais, um problema relativamente vulgar numa série de países Europeus.