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Especialistas da FCUP escrevem sobre a Covid-19

O impacto da gestão da doença COVID-19 na economia dos recursos geológicos | António Moura



Neste artigo, o especialista em recursos geológicos da FCUP, António Moura, docente do Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território, explica as consequências da pandemia da Covid-19 no preço do petróleo e mostra também como esta doença afetou a economia de alguns dos principais recursos metálicos, como são os casos do ferro, cobre, ouro e também o paládio e o lítio. 
 



Existem várias dezenas de recursos geológicos que habitualmente se dividem nos seguintes grupos: energéticos, metálicos, minerais e rochas industriais, rochas ornamentais, geotérmicos, hidrogeológicos e gemas. De entre os mais importantes estão o petróleo, o ferro, o cobre e o ouro; modernamente podemos incluir nesta categoria o paládio e o lítio.

As medidas adotadas por um grande número de países para diminuir o impacto da pandemia por coronavírus nas populações, ocasionaram alterações disruptivas em muitos setores da economia mundial, em particular em todos os que implicam, direta e indiretamente, viagens ou atividades de lazer (aviação, turismo, hotelaria, restauração); em menor grau a “paragem da sociedade” atingiu também a atividade extrativa em centenas de minas.

Consequências ao nível do petróleo

A mais impactante consequência deste abrandar abrupto da economia foi o arrastar do preço do petróleo, ou melhor do crude WTI (abreviatura de West Texas Intermediate, um tipo de petróleo explorado na região do Golfo do México) para valores negativos, um facto inédito, talvez nem imaginado pelos mais pessimistas.

De facto, em 20 de abril de 2020 os contratos de venda para maio atingiram -$37,63/barril ($ = dólar norte-americano) embora os contratos para junho fossem celebrados já a valores positivos ($20/barril). Aqui é necessário lembrar que, apesar de todos nós consumidores querermos que os combustíveis sejam baratos, há certamente um limite que é o preço de custo da produção da matéria-prima (incluindo-se aqui os gastos na prospeção, na extração e da refinação). E esse preço é enorme (variando muito em função do tipo de operação, por exemplo se é em terra (onshore) ou no mar (offshore).

A estes custos é preciso “somar” o enorme custo da atividade de prospeção de hidrocarbonetos. Por exemplo, para instalar uma plataforma no mar o custo é sempre da ordem das várias centenas de milhões de euros e nem todas as plataformas se revelam produtivas. A prospeção é uma das mais arriscadas e onerosas das atividades económicas. E se há dez anos era cerca de três vezes mais arriscada do que no fim do séc. XX, hoje é ainda mais, decorrente da exaustão dos reservatórios menos profundos. A maioria dos reservatórios descobertos recentemente são tecnicamente difíceis de trabalhar, por exemplo por estarem a grande profundidade sob o fundo do oceano (por vezes a 3 km), requerendo longas tubagens em aços especiais que se tem de fazer chegar aos locais.

Como foi largamente noticiado, esta “descida aos infernos” do preço do petróleo ocorreu porque a oferta excedeu largamente a procura. A situação agravou-se pelo facto de os locais para armazenamento de petróleo estarem praticamente lotados, incluindo 100 a 200 superpetroleiros (cada um transportando 2 milhões de barris) a navegar pelos Oceanos, sem locais para descarregarem. Aqui é necessário recordar que, desde 2018, a maior parte dos dias a produção diária ter excedido 100 milhões de barris (1 barril=159 litros).

Outro enorme problema que a presente situação de baixa de preços de petróleo comporta, além da destruição da vida económica de países muito dependentes do petróleo (como Angola ou a Nigéria), é o desinsentivo para a prospeção, com a consequente diminuição das reservas, situação que a médio prazo pode levar a preços muito elevados do crude.

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Plataforma Troll de extração de hidrocarbonetos no Mar do Norte, apoiada no fundo marinho a 303 m. Fonte: Wikipedia.org (CC BY-SA. 3.0).

Como foram afetados alguns dos principais recursos metálicos por esta crise da Covid-19?


Vejamos agora, ainda que de forma sintética, como foram afetados alguns dos principais recursos metálicos.



Ferro – Fe 

É o metal mais usado pelo Homem, extraindo-se anualmente cerca de 3000 milhões de toneladas (Mt) de minérios com teores de cerca de 65%Fe.

O ferro entra no fabrico dos milhares de aços existentes, usados em milhões de aplicações.

O preço do minério de ferro atingiu níveis baixos em 3 de março e 1 de abril, mas nada de significativo como se pode ver no gráfico da figura em baixo. A razão pode dever-se ao facto de existir ferro em grande abundância à superfície da Terra, em muitos locais e em teores elevadíssimos (frequentemente uma mina só é rentável se o teor do minério for superior a 50%, e, às vezes, 60%).

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Evolução do preço do minério de FERRO desde 2015. Note-se a quebra decorrente da crise COVID. (https://tradingeconomics.com/commodity/iron-ore), e o retomar das cotações normais daí para cá.


Cobre – Cu 

O terceiro mais usado dos metais teve uma produção anual record de 20,5 Mt em 2018.

Este metal é conhecido como sendo o que melhor espelha a situação económica por ser ubíquo em variadíssimos setores, da indústria metalomecânica à construção civil.

Na presente crise, o seu preço afundou, de aproximadamente $2810/libra imperial – 453,59 gramas (em janeiro de 2020) a $2090 em 23-03-2020. No entanto, no início de 2016, o preço do cobre atingiu um valor inferior a $2000 e esteve quase todo esse ano abaixo de $2300 (ver figura em baixo). Por isso, as dificuldades atuais das empresas que exploram cobre devem ser relativizadas…

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Preço da tonelada de COBRE nos últimos 5 anos. Note-se que durante 2016 o valor do metal foi quase sempre inferior ao valor atual.


Ouro – Au

Com uma produção mundial a partir de minas, a rondar as 3300 t/ano, o ouro, esse metal tão almejado, utilizado em milhares de aplicações da indústria dos satélites à microeletrónica, por ser inóxidável e extremamente maleável (tendo por isso referência no Guiness, o livro dos records), foi um dos metais mais incólumes a esta crise COVID (pelo menos até ao momento), como se pode ver na figura em baixo. 

Hoje está ao preço mais elevado de sempre (na cotação em Euros), cerca de 52 ¤/grama. O ouro é visto como um refúgio económico-financeiro sobretudo numa altura em que quer as bolsas, quer a economia mundial estão (super)imprevisíveis.

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Preço do OURO nos últimos 20 anos e nos últimos 6 meses. Fonte: goldprice.org.

Paládio - Pd

Um metal muito raro do grupo dos platinoides, ótimo para o fabrico de catalisadores (usados, por exemplo, na transformação dos gases que saem dos motores dos automóveis a gasolina, em compostos menos nocivos à saúde e ao ambiente) foi talvez o metal que “sofreu” mais com a crise atual, dado que o seu valor passou de $2878/onça troy (27 de fevereiro) o valor máximo de sempre, para $1612 (em 16 de março – um decréscimo para 56% do valor em 18 dias), valendo atualmente (14-5-20) $1911 (ver gráfico em baixo).

Este decréscimo deve-se, simultaneamente, a um ajuste do valor do metal (cotado em $846 em 15-08-18, isto é, o valor do paládio mais do que triplicou em um ano e meio em grande parte uma consequência da redução imposta pela UE nas emissões de CO2 pelos carros fabricados a partir de 2020), mas também a um decréscimo na procura já que inúmeras fábricas de automóveis encerraram durante várias semanas no início deste ano.

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Evolução do preço do PALÁDIO nos últimos 12 meses. Note-se a quebra decorrente da crise COVID e a evolução negativa do preço do metal antes e depois da crise. Fonte: https://www.apmex.com/palladium-price.

Lítio - Li

Este é um dos metais de que mais se falou em Portugal nos últimos meses (até à emergência da crise COVID). Já sofria antes da crise, de um abaixamento de preços, resultante de um claro desequilíbrio entre a oferta e a procura (simplificando-se, podemos dizer que é mais fácil produzir carbonato ou hidróxido de lítio que automóveis elétricos a preços competitivos com o dos automóveis a motores de combustão).

Essa baixa na cotação dos principais compostos de lítio pode-se visualizar, indiretamente, no valor das ações das duas maiores empresas (fora da China) que exploram e processam minério de lítio, a multinacional de origem norteamericana ALBEMARLE e a chilena SQM (ver figura em baixo). Os preços do lítio (em carbonato e hidróxido) desceram 36% durante 2019 e no primeiro trimestre de 2020 foram negociados a < $7000/t o valor mais baixo desde 2014. Com preços de petróleo baixos, com crise económica a afetar centenas de milhões de pessoas, não é de esperar que porventura antes de 2-5 anos o mercado do lítio melhore substancialmente.

litio
Evolução do valor das ações de duas das maiores empresas mundiais que exploram recursos de LÍTIO, um reflexo do valor do lítio no mercado atual, que está ao nível do valor que o recurso tinha há 6 anos. Fonte: NYSE.


A que conclusões se consegue chegar?

Alguns metais, por exemplo, o ferro, não foram ainda afetados pela crise COVID; outros encontram-se até valorizados (caso do ouro), muitos foram afetados (como o cobre) e alguns bastante afetados (ainda que o seu valor já estivesse depreciado, como o paládio e o lítio). Estes últimos, bem como o petróleo, só terão o seu valor de mercado normalizado quando a sociedade na sua globalidade abrir a economia ao nível do início de 2020.

O preço das matérias-primas é ainda influenciado pela simples esperança de uma descoberta de vacina ou medicamento eficaz, como aconteceu recentemente (18-05-2020) com o preço do crude a subir mais de 10% num só dia e a cotar-se ao valor de janeiro de 2004 ($32,5/barril), um valor já próximo do mínimo aceitável para alguns produtores.


Sobre o autor: 

  antoniomoura António Moura é Professor auxiliar da FCUP desde 2003 (Dep. de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território) e membro do Instituto Ciências da Terra. Leciona e investiga na área dos Recursos Geológicos, em particular na génese de minérios metálicos.



Ler outros artigos desta rubrica. 



Renata Silva. SICC. 21-05-2020




 
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