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Especialistas da FCUP escrevem sobre a Covid-19

Antibióticos e a Covid-19 | Lucinda Bessa



Neste artigo, a investigadora no Departamento de Química e Bioquímica da FCUP, Lucinda Bessa, que faz investigação sobre bactérias multirresistentes, escreve sobre uma das consequências da COVID-19, um problema de saúde pública global que a pandemia em que vivemos atualmente veio expor e potenciar ainda mais: a resistência aos antibióticos. De que maneira potencia e qual a relação entre o Coronavírus e o uso de antibióticos? São algumas das perguntas a que este artigo dá resposta. 



A pergunta “Os antibióticos são efetivos a prevenir e tratar a COVID-19?” é uma das perguntas frequentes/básicas sobre a COVID-19 listada na página da Direção-Geral da Saúde (DGS). 

Na tentativa de explorar a resposta apresentada na imagem abaixo, pretendo esclarecer sobre a necessidade do uso de antibióticos em doentes com COVID-19 e contextualizar a resistência aos antibióticos enquanto problema atual e global de saúde pública.

perguntas
resposta
© DGS

É um facto que os antibióticos atuam apenas em bactérias e não em vírus.

A COVID-19 é uma infeção vírica, causada pelo vírus SARS-CoV-2. Portanto, à luz da ciência atual, antibióticos não são definitivamente indicados no tratamento dessa doença, no sentido em que não atuam no vírus.

Porém, um doente infetado pelo novo coronavírus que esteja hospitalizado (não necessariamente), estando mais fragilizado, pode ser alvo de infeções bacterianas oportunistas, que concomitantemente atacam esse doente. Portanto, ao ser diagnosticada a presença de uma infeção bacteriana nos doentes com COVID-19, os médicos prescrevem antibióticos a esses pacientes para tratar essa infeção bacteriana específica.

Ora, o problema da resistência aos antibióticos, que explicarei mais adiante neste artigo, é intensificado por crises de saúde pública, como esta que estamos a viver hoje em dia.

Dificuldades no tratamento específico de infeções

Antibióticos atuam em bactérias. Antivíricos em vírus. Existem vários tipos de infeções, como por exemplo, por fungos, vírus e bactérias. Infeções causadas por vírus e por bactérias são substancialmente as mais frequentes.

Muitas infeções, sobretudo víricas, que manifestem sintomas ligeiros são passíveis de ser ultrapassadas em casa, com repouso e recurso a anti-inflamatórios e antipiréticos, o que tem acontecido em muitos casos na atual pandemia. No entanto, outras infeções podem ser bem mais graves e exigirem hospitalização e tratamento específico (caso exista).

Pertinentemente, surge agora a questão: porque não tratamos a COVID-19 com os antivíricos que temos?

Dada a adaptabilidade evolutiva (especialmente acelerada nas bactérias e vírus em relação aos animais e humanos), há uma grande complexidade e variabilidade entre os agentes infeciosos dentro de um mesmo grupo e por isso nem todos são afetados igualmente e/ou totalmente por um mesmo medicamento. Ou seja, por exemplo, nem todos os antibióticos atuam em todas as bactérias, nem todos os antivíricos atuam em todos os vírus. E é aí, que reside uma das maiores dificuldades no que concerne ao tratamento das doenças infeciosas.

Sendo este coronavírus novo, há necessidade de estudar a eficácia dos antivíricos existentes neste novo vírus. Dado que o mecanismo de ação dos antivíricos atuais é conhecido, isto é, sabemos qual o alvo e onde atuam, alguns são logo à partida descartáveis, pois este vírus não tem esse alvo específico, por exemplo. Ficamos assim com um leque de opções ainda mais restrito e para o qual é preciso tempo para avaliar realmente a sua eficácia no SARS-CoV-2.

O Remdesivir é um antivírico cuja eficácia no tratamento da COVID-19 está a ser estudada experimentalmente.

O problema da resistência aos antibióticos

Já relativamente ao tratamento das infeções bacterianas, e voltando ao uso de antibióticos, acresce a dificuldade em eliminar bactérias que já foram em tempos suscetíveis a um certo antibiótico e que deixaram de o ser, ou seja, esse antibiótico deixou de atuar. Essa realidade, a resistência aos antibióticos, é um problema de saúde pública, para muitos talvez desconhecido.

A resistência aos antibióticos acontece quando as bactérias se modificam, tornando-se resistentes aos antibióticos usados para tratar as infeções por elas causadas.

De cada vez que uma pessoa toma um antibiótico, há a probabilidade de uma parte das bactérias-alvo sobreviver, desenvolvendo mecanismos por forma a resistir à ação do antibiótico. Essas bactérias continuarão a proliferar e a espalhar a resistência a outras.

Na Figura 1 são apresentadas algumas das causas que contribuem para o aparecimento e disseminação das bactérias resistentes aos antibióticos.

O uso incorreto e inapropriado dos antibióticos ao longo dos tempos é uma causa importante, tendo acelerado consideravelmente o aparecimento de resistências aos antibióticos.

fig1
Figura 1: Causas da resistência aos antibióticos. © Organização Mundial de Saúde (imagem adaptada).

 
A Organização Mundial de Saúde argumenta que a resistência aos antibióticos é uma das maiores ameaças atuais à saúde pública global.

Bactérias resistentes simultaneamente a várias classes de antibióticos estão já bastante disseminadas globalmente e são designadas de bactérias multirresistentes (também conhecidas como superbugs). Naturalmente, infeções causadas por estas bactérias são muito difíceis de tratar, sendo responsáveis por maior morbilidade e mortalidade. Aliás, essas superbugs têm vindo a matar silenciosamente milhões de pessoas.

Na Figura 2, é possível ver, através de um antibiograma, a suscetibilidade de uma determinada bactéria aos antibióticos: 

antibioticos
Figura 2
© Lucinda Bessa

Um problema que não é novo e que tem vindo a ser potenciado 

Para além do problema real que só por si as bactérias resistentes aos antibióticos representam, estas ainda intensificam outras crises de saúde pública, tal como a atual crise pandémica provocada pelo novo coronavírus. Na medida em que os mais vulneráveis à COVID-19 (idosos, pessoas com doenças crónicas associadas e/ou imunologicamente mais debilitadas) são também aqueles que normalmente são mais suscetíveis a contrair infeções bacterianas no ambiente hospitalar, que por esse mesmo motivo representa muitas vezes um lugar hostil.

Infelizmente, o problema da resistência aos antibióticos não é novo e não tem sido encarado convenientemente há já demasiado tempo. A atual pandemia apenas o veio expor e potenciar ainda mais. O problema é reconhecido pelas entidades governamentais e de saúde mundiais, mas tristemente, as razões económicas parecem ser o maior travão em direção às soluções. A investigação e desenvolvimento de novos antibióticos é um processo longo e caro, e a longo termo muito pouco rentável para as indústrias farmacêuticas, que por esse motivo simplesmente têm abandonado essa área de investigação.

Termino com um anseio otimista, esperando que a crise sanitária desencadeada pela COVID-19 permita revolucionar ideias, estratégias e ações no sentido de caminharmos para uma abordagem séria e focada na prevenção, controlo e tratamento das doenças infeciosas, onde se inclui também o combate contra a resistência aos antibióticos.

Sobre a autora: 

  LUCINDA Lucinda Bessa é investigadora afiliada ao Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV@REQUIMTE) a trabalhar no Departamento de Química e Bioquímica da FCUP. A investigadora, que integra o grupo de investigação da docente da FCUP, Paula Gameiro, faz investigação na área da Microbiologia e Biologia Molecular. Os tópicos principais em que está neste momento a trabalhar são: bactérias multirresistentes; biofilmes bacterianos; avaliação do potencial antibacteriano de vários tipos de compostos.



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Renata Silva. SICC. 06-05-2020
 
 
 
 
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