Ferreira da Silva | Química para a vida, uma vida de química.
58 Ferreira da Silva / Química para a vida, uma vida de química Foi na viragem do séc. XIX que Ferreira da Silva foi chamado a esclarecer a questão dos vinhos portugueses impedidos de serem comercializados no Brasil por acusações de salicilagem fraudulenta, isto é, a adição intencional de ácido salicílico (praticada em tempos para efeitos de conservação mas entretanto posta de parte). Esta adição era demonstrada pela reação violácea do ácido salicílico com o percloreto de ferro. Depois de analisar as amostras dos vinhos em questão, fornecidas por uma comissão de comerciantes do Porto, lesados neste processo, viria a descobrir que os Laboratórios do Rio de Janeiro estavam a utilizar o método francês, mais sensível do que o método alemão por empregar amostras de maior quantidade de vinho (200 cm3 contra 50 cm 3 ) acusando a presença de uma substância natural (não adicionada) que se viria a provar mais tarde ser ácido salicílico gerado nas próprias uvas, fenómeno que podia relacionar-se com a localização geográfica das vinhas! Mais ainda, o trabalho de outros investigadores viria a revelar que o ácido salicílico, embora em doses muito diminutas, está mais espalhado no reino vegetal do que se supunha. O caso da suposta salicilagem dos vinhos portugueses Ferreira da Silva apresentou os seus resultados numa nota levada à Academia das Ciências de Paris por Marcelin Berthelot em agosto de 1900,“ Sur une cause d’erreur dans la recherche de l’acide salicylique dans les vins portugais ”. Henri Pellet, um dos autores do método francês, reagiu mal, descendo à estacada para se defender; viria a render-se à evidência depois de alguns esclarecimentos e análises. O assunto, mais uma vez, apaixonou a opinião pública (a exportação de vinho era vital para a nossa economia) e provocou uma contenda entre peritos de Portugal, Brasil, França e Alemanha. Orlando Rangel, um dos contendores, era, à data, um farmacêutico de prestígio e presidente da secção de Farmacologia da Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro. Ferreira da Silva jamais abandonava um esgrimir de argumentos, e respondia publicamente, em opúsculos como este. Em 1919 foi publicada uma coletânea de documentos de quase 600 páginas, com o apoio financeiro do governo português, tal como o fora a tradução por Ferreira da Silva, em 1906, do livro do químico Henri Pellet. Ferreira da Silva reuniu aí memórias e notas que se achavam publicadas em opúsculos ou dispersas por diversas publicações periódicas, nacionais e estrangeiras, que só poderiam ser avaliadas no seu conjunto deste modo.
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