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Diversidade de répteis nas ilhas Comoro: uma análise filogeográfica

Sara Rodrigues Passos Rocha

Os sistemas de ilhas vulcânicas constituem cenários privilegiados para o estudo de fenómenos evolutivos, sendo muitas vezes denominados de "laboratórios naturais". Neste trabalho, procurou-se investigar os padrões de variação genética e as relações filogenéticas existentes em três grupos de répteis das ilhas Comoros e áreas continentais adjacentes, a partir da análise de sequências de DNA mitocondrial e nuclear. Em particular, foi analisada a variação genética em camaleões do género Furcifer, escincídeos do género Cryptoblepharus e geconídeos do género Hemidactylus. As Ilhas Comoros constituem um arquipélago formado por quatro ilhas de origem vulcânica, localizadas entre Madagáscar e a costa Africana, com idades estimadas entre 0.5 e 10-15 milhões de anos.

Os resultados obtidos sugerem que ambas as espécies do género Furcifer terão colonizado as Comoros, independentemente, a partir de Madagáscar. Também a presença de Cryptoblepharus nestas ilhas parece ser explicada pela ocorrência de pelo menos dois eventos de colonização, um deles claramente com origem em Madagáscar. Um terceiro evento de colonização, também a partir de Madagáscar, parece ser a origem das populações estudadas da costa africana. Tendo em consideração a baixa diferenciação genética encontrada dentro do género Cryptoblepharus, sugere-se a manutenção do estatuto de subespécies para as formas do Oceano Índico Ocidental.

Quanto ao género Hemidactylus, nas ilhas Comoros encontra-se H. brooki e mais três espécies que ocorrem também em Madagáscar, H. mercatorius, H. frenatus e H. platycephalus, sendo esta última a espécie mais abundante, apesar de praticamente não apresentar variação genética em todo o arquipélago. Pelo contrário, H. mercatorius é a espécie que apresenta maior diversidade genética, sugerindo que a sua presença em pelo menos uma das ilhas, Mayotte, poderá ter resultado de uma colonização natural a partir do Norte de Madagáscar, uma hipótese a ser testada pela análise de indivíduos da costa africana. No entanto, em duas das ilhas foram também encontrados indivíduos aparentemente introduzidos a partir de populações do Centro-Oeste de Madagáscar. Hemidactylus frenatus e H. brooki são as espécies menos abundantes nas Comoros: os indivíduos de H. frenatus são filogeneticamente muito próximos dos de Madagáscar e H. brooki, que ocorre pelo menos em Moheli e Anjouan, apresenta maior proximidade filogenética com indivíduos das Ilhas Mascarenhas. A diferenciação genética dentro da espécie H. brooki ao nível do gene nuclear C-mos indica ainda tratar-se de um complexo de espécies. Como esperado, a história evolutiva das espécies do género Hemidactylus revela-se complexa, moldada por múltiplos fenómenos de colonizações naturais e/ou antropogénicas.

Em comparação com outros arquipélagos de origem vulcânica, como as Canárias ou Cabo Verde, os grupos de répteis das ilhas Comoros mostram uma menor diferenciação genética relativamente às formas "continentais". A colonização destas ilhas parece ser assim um fenómeno relativamente recente, um resultado de certo modo já esperado tendo em conta a idade também mais recente deste arquipélago, e ocorreu maioritariamente a partir de grupos de Madagáscar.