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Análise molecular e evidência de selecção natural no locus κ -caseína em populações selvagens e domésticas do coelho Europeu (Oryctolagus cuniculus)

Miguel Jorge Pinto Carneiro

As caseínas são as proteínas que se encontram em maior quantidade no leite, sendo a k-cas responsável pela manutenção da sua estrutura micelar. Um polimorfismo invulgar foi descrito na k-cas do coelho. Foram encontrados em coelhos domésticos dois alelos (A e B) que diferem drasticamente devido a polimorfismos de tamanho nos intrões 1 e 4, indels de 100 e 1550 nucleótidos, respectivamente. Não foram encontrados indivíduos portadores de uma única delecção, no entanto, estes dados foram exclusivamente recolhidos em raças domésticas.

Neste trabalho, foi desenvolvido um PCR de genotipagem rápida dos dois polimorfismos de tamanho descritos e, investigou-se a distribuição dos dois alelos nas populações naturais de coelho da Península Ibérica, num painel de amostras de referência que foram estudadas para uma série de outros marcadores (DNA mitocondrial, cromossoma Y e outros genes nucleares). Foram sequenciados, também, dois intrões (intrão 1 e 3), bem como, os três exões codificantes da proteína da k-cas.

Os dois alelos previamente descritos para as raças domésticas encontram-se associados a duas linhagens altamente divergentes, que é uma característica comum a muitos marcadores no genoma do coelho Europeu. O padrão de divergência ao nível molecular descrito para os marcadores uniparentais está associado a uma separação em dois grupos, com uma repartição geográfica bem definida e contacto numa faixa intermédia da Península Ibérica. No entanto, os alelos A e B do locus κ-cas e, consequentemente, as duas linhagens, encontram-se dispersos por toda a Península Ibérica. Um novo alelo (C), derivado do alelo A e com uma delecção de 250 bp no intrão 1, foi encontrado praticamente confinado às populações do Noroeste Ibérico. Um facto curioso são as frequências estacionárias observadas por todas as populações selvagens no que diz respeito às frequências alélicas dos alelos A e B, sendo a alelo A consistentemente o mais comum. Este facto, em conjunto com evidências de performance diferencial obtidas em raças domésticas entre os indivíduos homozigóticos e heterozigóticos neste locus, pode indicar que um mecanismo selectivo (selecção balanceada) está na base da determinação das frequências alélicas. Porém, não foi encontrado qualquer substituição aminoacídica entre os três alelos, o que sugere que um outro gene, numa região circundante à k-cas, poderá estar na origem do padrão observado.

Adicionalmente, foi detectada extensa recombinação intragénica entre os dois polimorfismos de tamanho e os quatro tipos gaméticos possíveis foram encontrados em quase todas as populações Ibéricas. Apesar dos valores de desequilíbrio gamético não serem significativos entre os dois sub-loci (intrões 1 e 4), foi detectada uma sobrerepresentação dos dois tipos gaméticos descritos previamente para os coelhos domésticos, enquanto que os dois prováveis recombinantes foram menos detectados que o esperado. Este facto, sugere que os tipos gaméticos A1A4 e B1B4 são ancestrais e corresponderão às duas linhagens divergentes encontradas neste locus. Os resultados sugerem, também, que os tipos gaméticos derivados não terão sido incorporados nas raças domésticas aquando do processo de domesticação. Associado ao alelo C não foi encontrado qualquer polimorfismo que, conjuntamente com a sua distribuição restrita e forte desequilíbrio gamético, podem indicar uma origem recente deste alelo.

Foram observados entre os intrões 1 e 3 padrões amplamente diferentes de variação genética e distribuição do espectro de frequências. Estes resultados poderão ser explicados pelos seguintes mecanismos: selecção balanceada a actuar num gene localizado a 5' da κ-cas e/ou por uma forte selecção purificadora a actuar perto do intrão 3. Desta forma, os resultados sugerem que regiões genómicas fisicamente adjacentes (aproximadamente 2 kb) podem exibir histórias evolutivas contrastantes. Os resultados sugerem, ainda, que esta região genómica deverá exibir níveis muito elevados de recombinação, o que permite uma evolução independente dos dois loci apesar da pequena distância física que os separa.

No conjunto dos resultados, o cenário mais provável sugere uma evolução alopátrica dos alelos da κ-cas (A e B) por um longo período de tempo, correspondendo à divergência Oryctolagus cuniculus algirus e Oryctolagus cuniculus cuniculus, seguida de um contacto posterior e miscigenação, provavelmente mediada por mecanismos selectivos (vantagem dos heterozigóticos).